Após fraudes, Indaiatuba encerra programa de bolsas para alunos de baixa renda e inicia revisão de 718 benefícios
Após fraudes, Indaiatuba encerra 'Passe Bolsa' e inicia revisão de 718 benefícios A Prefeitura de Indaiatuba (SP) determinou nesta terça-feira (12) o fim do...
Após fraudes, Indaiatuba encerra 'Passe Bolsa' e inicia revisão de 718 benefícios A Prefeitura de Indaiatuba (SP) determinou nesta terça-feira (12) o fim do programa Passe Bolsa, destinado a estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica, após denúncias apontarem que moradores de alta renda recebiam o benefício indevidamente. O prefeito Custódio Tavares Dias Neto (MDB) informou ainda que instaurou um processo para reavaliar 718 benefícios concedidos em 2025, cujos pagamentos ficarão suspensos temporariamente. As decisões fazem parte de uma série de medidas anunciadas nesta manhã. 🔎 O que é o Passe Bolsa? Mantido há cerca de 20 anos pela prefeitura, o programa prevê reembolso de mensalidades para alunos “em situação socioeconômica desfavorável” matriculados em cursos superiores ou técnicos. LEIA TAMBÉM: Bolsa para alunos de baixa renda foi concedida a pelo menos 38 cadastros irregulares em Indaiatuba, aponta investigação Entre as ações, estão também o afastamento da secretária municipal de Assistência Social, Viviane Barnabé, e a criação de um novo programa de bolsas que, segundo o chefe do Executivo, deve oferecer mais transparência, além de facilitar a denúncia em casos de irregularidade. O caso veio à tona em reportagem do Fantástico, que a partir de dados obtidos junto ao MP, apontou que dos 170 alunos beneficiados entre 2023 e julho de 2025, pelo menos 25 não teriam direito aos recursos. Esse grupo recebeu R$ 513 mil dos R$ 967 mil empregados no programa. Confira as medidas anunciadas pela Prefeitura de Indaiatuba: Revogou a portaria que nomeava a comissão responsável por avaliar quem teria direito ao Passe Bolsa e nomeou um novo grupo executivo para reavaliar todos os 718 bolsistas que foram contemplados em 2025. O grupo terá 15 dias para apresentar todas as inconformidades que forem encontradas. Determinou a suspensão imediata do pagamento das 718 bolsas até que as apurações sejam concluídas. As pessoas que não tiverem irregularidades não serão prejudicadas e os repasses serão realizados assim que as apurações forem concluídas. Afastou a secretária municipal de Assistência Social, Viviane Barnabé, até que o caso seja esclarecido. Deu prazo de 10 dias para que a Corregedoria Municipal finalize todas as investigações. Determinou que, até o dia 19 de dezembro, todas as pessoas que tiverem alguma irregularidade deverão pagar o valor recebido indevidamente. Determinou o fim do programa Passe Bolsa para a criação de um novo programa de incentivo à educação, voltado aos ensinos técnico e superior, que vai ser vinculado à Secretaria Municipal de Educação. Corregedoria investigava suspeitas há um ano Estudantes de alta renda de Indaiatuba recebem R$ 513 mil em bolsa da prefeitura para alunos em vulnerabilidade Fantástico Durante a coletiva, Custódio afirmou que as suspeitas de fraudes são apuradas pela Corregedoria Municipal desde setembro de 2024. Na segunda-feira (10), a administração municipal informou ter identificado, pelo menos, 38 cadastros irregulares e disse que as pessoas identificadas foram notificadas para ressarcir os cofres públicos. Os nomes e valores recebidos não foram divulgados. "Eu estou assumindo o governo agora. Quando assumi, as investigações estavam em pleno curso. A Corregedoria trabalha em segredo e as informações que chegaram para mim estavam relacionadas a uma fraude que estava sendo realizada por uma servidora", disse. "Nós concluímos a [sindicância da] Corregedoria em outubro agora, que eu demiti a funcionária. Como eu estava assumindo, preferi aguardar o que estava acontecendo para tomar as medidas corretas". Servidora exonerada De acordo com a administração municipal, a assistente social Cinthia Caroline da Silva Zambianco foi apontada como a “principal suspeita pelas fraudes e, após as averiguações, a Corregedoria determinou a exoneração da servidora de carreira, sem vencimentos”. Além dela, o ex-marido, que é servidor público, também é investigado. Thiago do Nascimento Santos Silva, secretário de Negócios Jurídicos de Indaiatuba, conta que a apuração ouviu 25 testemunhas. "Alguns dos depoimentos afirmam que faziam devolução desses valores para a funcionária responsável pela fraude. Recebiam uma porcentagem, as vezes cursando uma faculdade, as vezes, nem isso. Ela cadastrava uma pessoa como um curso X e faziam o pagamento desse valor, na conta dela, através de PIX", explica. "Ao longo desse período, a cada vez que era identificado: 'esse usuário não faz jus a esse benefício', era determinado o corte. A gente ia incluindo. Não se descobriu tudo de uma vez e a gente precisava analisar cada uma das situações. Um dos casos que estarreceu a corregedoria foi que ela beneficiava tanto o atual namorado, quanto o ex-marido. A cada vez que a gente identificava, se incluía no rol para fazer a devolução", completa. Com o esquema de repasse dos benefícios, segundo a Prefeitura, a servidora teria recebido R$ 400 mil. Em nota, o advogado de defesa de Cinthia, Lucas Del Campo, afirmou que "as narrativas expostas na coletiva não condizem com a realidade dos fatos apurados na sindicância" e que "não passou de uma manobra pra desviar o foco e a responsabilidade da atual gestão". Vista aérea de Indaiatuba Eliandro Figueira/Prefeitura de Indaiatuba Disse ainda que a servidora foi afastada em novembro de 2024 e que não participou do Programa Passe Bolsa no ano de 2025, onde foram detectadas novas fraudes, como as apontadas pela reportagem do Fantástico. "Não existe nenhuma prova de que a servidora teria recebido o valor de R$ 400 mil. Pelo contrário, existem provas de que superiores da servidora exonerada interferiam nas decisões para que determinados alunos fossem aprovados", completou. "A servidora é concursada, é assistente social e ela era designada para o plantão de dúvidas do programa Passe Bolsa. Ela não tinha nenhuma autonomia para fazer qualquer modificação, então se passava por ela e era indeferido o benefício, o auxílio, era submetido à comissão e aí a comissão decidia se ia deferir ou não. Quando vinham ordens para que alunos que haviam sido indeferidos fossem deferidos o benefício, as ordens vinham de superiores. Inclusive ela recebia através de mensagem de WhatsApp citando, viu, fulano de tal precisa ser aprovado, já veio ordem daqui de dentro e aí passava", disse Lucas. Segundo a Prefeitura, a sindicância da servidora foi concluída e ela foi exonerada sem vencimentos. A administração informa que o relatório apontou que ela inseriu pessoas no sistema que não cursavam faculdade, e que em depoimento, alguns deles confirmaram devolver parte do dinheiro para a funcionária. A apuração do caso também vai seguir para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), que vai oficiar a prefeitura para que ela dê explicações e esclarecimentos sobre o programa Passe Bolsa. MP quer seguir "caminho do dinheiro' O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) quer seguir o "caminho do dinheiro" para identificar os responsáveis e verdadeiros beneficiados pelo esquema de fraude no programa Passe Bolsa. Segundo o promotor de Justiça, Michel Romano, rastrear os valores "é essencial" para chegar aos verdadeiros beneficiados. Ele já analisa documentos enviados pela prefeitura desde 2023, mas aguarda de anos anteriores para identificar quanto teriam começado as irregularidades. "É um absoluto descontrole. Falta fiscalização, falta conferência pelo poder público", destacou Romano, em entrevista ao Fantástico. Até R$ 55 mil em reembolsos Três estudantes de medicina, Ísis Furlan, Samya Arthuzo e Luana Scallet, estão entre os beneficiados pelo programa. Ísis, formada em administração e atualmente cursando medicina, recebeu cerca R$ 55 mil, enquanto continuava atendendo em uma clínica de estética de alto padrão e realizando viagens ao exterior. Em mensagem ao Fantástico, Ísis disse que “não tem nada a esconder” e que é “apenas uma estudante que fez inscrição”. Samya Arthuzo recebeu quase R$ 33 mil entre 2024 e 2025, mesmo vivendo em um condomínio de alto padrão e tendo pais com rendas elevadas, incluindo uma mãe procuradora que ganha R$ 41 mil por mês. Estudantes de medicina de alta renda recebem R$ 513 mil da Prefeitura de Indaiatuba Em nota, os pais afirmaram que, quando solicitaram o benefício, “não havia indicação de que o benefício estivesse restrito a pessoas carentes”. Mas a lei de 2005 é bem clara: o programa é destinado a famílias que comprovem carência financeira. Luana Scallet, também estudante de medicina, mora em condomínio fechado e é filha de empresários do ramo imobiliário. Nas redes sociais, a jovem publicou viagens recentes à Argentina, Uruguai e Itália. Mesmo assim, recebeu R$ 10.145 em reembolsos nos primeiros meses de 2025 pelo curso de medicina. A família informou que a bolsa foi concedida “seguindo rigorosamente todos os critérios e requisitos”. Investigação O Fantástico procurou o prefeito de Indaiatuba, mas só conseguiu falar com o secretário municipal de Negócios Jurídicos, Thiago Nascimento Silva de Souza. "Eu preciso definir se é um erro do servidor ou se é uma má prestação de informações por parte do beneficiário", disse. O Fantástico fez um levantamento a partir de documentos da prefeitura e do Ministério Público: 170 estudantes receberam recursos do Passe Bolsa. O total pago foi de R$ 967 mil entre 2023 e julho deste ano. Mais da metade do valor — R$ 513 mil — foi para apenas 25 alunos, justamente os que têm indícios de não precisavam desse dinheiro para estudar. VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias sobre a região no g1 Campinas